sexta-feira, abril 28, 2006

Memória em contratempo

Soube de ti pelo som da respiração que atravessou a porta.
Entras. Sentas-te ao pé de mim, joelho com joelho, sorriso com sorriso, tudo o mais seria indiscrição. Mas sou eu que prenuncio a devolução de um passado longínquo e nada mais existe que o inexistente ao nosso lado.
Ofereci-te algo, não me recordo o porquê. Nem o espaço das conversas alheias que saíram de outros cantos da casa. Nem tão pouco o tempo e o lugar onde te adivinhava.
Dizes que sim com o olhar, aceitas a minha proposta mas desejas algo mais das horas que consomes ao pé de mim. Não o admites ainda. Ou não te conforta o facto de eu me aperceber. Pareces ansioso. Começas a falar.
Solucei suaves suspiros por não te contar as minhas ilusões. E inquietei-me com as tuas palavras, por não as conseguir ouvir com a nitidez da emoção. Tremi de te encontrar por perto. Ouvi-te e divaguei. Voltei a ouvir.
Divagas nas palavras e nas imagens que foram gravadas na memória do dia. Os passos do caminho de casa e as noticias lidas à pressa num jornal de café. A análise das situações, as outras pessoas. Falas da vida dos outros, dos sonhos que vês e dos futuros que prevês. Nunca realmente de ti, sobrevives talvez nas entrelinhas das histórias que me deixas desvendar.
Baixei o olhar. Talvez tenha corado. Esperei.
Pousas a mão no meu joelho. Falas de algo como se eu não estivesse realmente a ouvir. E não estou. Sigo as tuas palavras que formam sentidos coerentes à leitura de uma razão distante mas sigo também outros pensamentos em seu lugar. Não te quererás demorar.
Seguras na minha mão com a mesma facilidade com que continuas a debitar o que mecanicamente te sai da mente. São duas as linguagens que falas neste momento. Não sei qual a que deva escutar.
Perdi a ordem dos momentos, no exacto momento em que me perdi em ti.
Levantas-te, junto com as palavras, e levas-me contigo. Devo seguir-te e obedecer aos passos que calcam as datas e as decisões.
Quis saber dos teus anseios incompletos e das esperas pelas pequenas coisas inconstantes que tanto te faziam feliz. Quis rever-te no meu entendimento.
Questionas os meus desejos, e levas contigo os beijos de um quartos às escuras que pedes, roubas, sem me devolver. E eu dei-tos pelo pulso da vontade de me aventurar.
As mãos cruzam-se de novo, as mãos escondem o imprevisível. Tocas-me em sítios inacessíveis ao toque da visão. O pulsar das fantasias inocentes, o embate de te julgar conhecer eternamente.
Faltou-me o ar porque respirei outros motivos para te reencontrar. Faltou-me o medo de perder a tua imagem.
Perguntei-me mil uma questões de silêncio para que as adivinhasses e me devolvesses a razão dos dias seguintes.
Levantas-te e caminhas em passos lentos e descrição imponente. Abro-te a porta para que te despeças de mim.
Nunca mais regressaste do passado desde então.

2006 (Com tonalidades de ficção revivalista)

quarta-feira, abril 26, 2006

segunda-feira, abril 24, 2006

Canção de Embalar

Descanso o corpo.
É no soluçar do quarto vazio, cúmplice de silêncios e sonhos antigos, que remendo o presente e repouso os sorrisos dos dias que o vento levou.
O vento comanda esta noite de abrigo, com trancas nas portas e medos suspirando nas janelas. O vento assobia melodias que divagam na solidão dos pensamentos. Passeia-se pelas paredes e toca impiedoso nas feridas da escuridão cerrada. O bafo intenso de uma noite cheia, de luar manso e pretensioso que penteia os meus segredos e alimenta os meus fantasmas serenos. Um sopro mendigo que sucumbe às mesmas palavras. Sopro do desejo de não pertencer à impenetrável perfeição.
Desfalece sobre o mundo a luz da memória e a consciência dos sentidos. Adormeço o universo num só inspirar. Adormeço a demora em meu redor. Aguardo que o vento me leve pela noite à afectuosa espera que chegará cedo. Breve e convincente, a luz beberá do nosso olhar. Sucumbirei ao cheiro madrugador da celebração de um dia novo. A génese imaginada do paraíso quotidiano consagrado ao esquecimento pelo movimento das horas efémeras. Origem de todos os madrugadores inquietos, origem de todas as auroras sem razão.
O vento voga pela vontade de descansar, transpõe a barreira dos devaneios nocturnos. O vento passeia também nos meus pensamentos.
Falo dos horizontes que sopram nos sonhos das noites corrompidas. Falo apenas dos sonhos que caem incessantemente na raiz da divagação. Amanhã reconhecê-los-ei pelo nome. Amanhã tornar-se-ão a mais real prova da minha desilusão.
Descanso o corpo... Descanso a solidão já dormente... Descanso o olhar já sem nexo... Descanso e adormeço.

(Publicado no DNjovem a 21 de Abril de 2006)

sexta-feira, abril 21, 2006

Sobre a memória da espera

Escrevo a memória da tinta azul
Perdida e desalojada das casas
Paradas;
Habitante das cidades sem cimento.
Segue-se o vento, solitário e sóbrio,
Sobre a estrada aberta;
Passam os passos perdidos
Por uma qualquer entrada,
Quase sempre deserta.
Entre uma e outra parede, soltam-se
Segredos em desalinho,
Desdenham os sorrisos enlameados
Entre as eras e as
Terras,
Secas por sóis estagnados.
Sobre vós descanso os desejos
Sem regresso.
Sossegam as palavras guardadas pelo tempo
E a sombra semeada pelo medo
De guardar silêncios,
De esconder linhas, cores, espaços e
Outras inseguras verdades.
Mesmo as saudades se esbotam no ar.
Escrevo ainda
A memória de tinta
Que ressoa no olhar...
São restos.

quinta-feira, abril 20, 2006

Flores e tijolos



Entardecer entre tijolos e flores...

terça-feira, abril 18, 2006

Cosmos

Desde que te conheço em mim, que em mim mesma me revejo.
Organizei secretamente novos sentidos, harmonizei para ti todos os gestos do coração.
Cobri o céu com a leve escuridão dos dias soltos, e os sonhos com noites eternas embrulhadas com o passar equivocado do tempo. Aconcheguei-me na imensidão imponente das mil e umas luas. Contemplei-te afeiçoada em cada uma delas. Perdi a contagem das estrelas, as certezas etéreas desenhadas pelos sentidos. Conto agora com olhos atentos ao mundo: delicados momentos que flutuam entre a fobia de resistir ao tempo e a paixão. Não existe amanhã no infinito. Não existe nem aqui nem agora que detenha a luz que viaja no meu contorno. Não existe lugar que me separe do retorno a ti. As estrelas não fazem sombra neste deserto em que te reclamo. E o deserto reflecte o tempo que contorce, contorna e compromete tempos passados.
Desde que te conheço...
Divago em pontos que nos unem como projécteis que se desembaraçaram do espaço. Invoco descobertas de um sol que se soltou do reflexo no mar. Encontro mares indefinidos esvaziando-se no buraco negro que coloquei em torno do meu olhar. Nublada aparição do meu amor reencontrado.

Repouso o amor sobre ti. Repouso a génese solene do amor sobre as velas apagadas do que resta da noite. Onde antes se extinguiram também as estrelas e renasceram esperanças demoradas, descubro agora uma trégua. O descanso dos cantos em silêncio junto ao mesmo mar de um conhecido antigamente. Anos e anos sem tempo nem espaço entornando-se no ponto de partida do um sentimento oculto.
Não existem mundos entre o nosso abraço. Desde que te conheço em mim, apenas um imensurável tudo que nasce de um nada absoluto.

Mais um texto sobre a procura e o encontro na outra pessoa ou talvez apenas, novamente, um espelho. Uma repetição de mim mesma...

sexta-feira, abril 14, 2006

Em tom de descanso


Um fim de tarde com tonalidades de descanso. Um anoitecer amortecido pelo tempo para repousar e respirar.
Os votos de uma boa Páscoa.

terça-feira, abril 11, 2006

Arquipélago

Estrelas que flutuam
Raízes de céu em águas perdidas das nuvens
Amar na terra regada de um eterno jardim
E chegar em chuva
Ao mar que desagua em mim.

sábado, abril 08, 2006

Do outro lado de um espelho


Há um espelho pendurado na parede.
Nele transparecem imagens, histórias, reflexos nublados da imaginação, luzes de cidades apagadas, das realidades e sonhos que se tornam ficção por se parecerem demasiado com o que vivemos por dentro, com o que queremos perdurar mas tememos. Este espelho tem outros lados... Recorda o país maravilhoso dos afectos. Recorda inúmeras imagens que existem dentro de mim... Prestes a nascer.
DO OUTRO LADO

Nasceste sobre um momento infinito.
Foi sobre as mãos cruzadas e pelo vento dos pensamentos inconstantes que te concebi.
Nasceste mulher construída nos sonhos de um olhar feito procura, que balança contra o abandono inexistente e uma eterna loucura que se alimenta de mar.
Crescestes entre os sobressaltos das eternidades terrenas e o revolto contratempo das pulsações dos pensamentos que te caíram a seco e se feriram em vão.
Cresceste sobre o abraço alargado e desencontrado do corpo e do tempo. Sobre um outro sorriso que te abraça e desenlaça o esquecimento. A memória descoberta em embaraço, como sombra apagada de quem não fez e quem não quis fazer-se existir. Lembrança dos tempos em que soluçavas canções em silêncio e desenhavas sois e luas no pó dos vidros sem vida. Relembro o som dos sentidos vagabundos que te embalavam com o vento perto da minha janela, o olhar sonâmbulo que te arrancava para o mundo de lá, secando as lágrimas dos dias seguros e serenos, um pouco mais sonolentos, um pouco mais puros, um pouco mais eternos.
Revejo os desenhos da tua imaginação, os projectos despojados de qualquer objecto, qualquer reflexo de um amanhã. Guardo os sonhos vazios que fizeste e mudaste de lugar. Recolho em mim os passos perdidos e cansados por não caminhar. Recolho o ventre de onde te vi morrer, o lugar mais escondido deste reflexo. E recolho o grito alcançado por fim, sem a sensata companhia da dor.
Hoje carrego em mim a névoa da vida que se derrete e se transforma na manhã morna, hoje sucumbo à hemorragia dos sentidos que tentei apagar no outro lado do espelho. Hoje, depois de serem anunciada todas as mortes, nasces de novo em mim: esperança eternamente adiada no amanhã transformado em passado.

Passeio com sabor a sol



Mar ao largo com canção cantada por Elis Regina.
Uma simples delícia para mim... :)

O BARQUINHO

Dia de luz, festa de sol

E o barquinho a deslizar

No macio azul do mar

Tudo é verão, o amor se faz

Num barquinho pelo mar

Que desliza sem parar...

Sem intenção, nossa canção

Vai saindo desse mar e o sol

Beija o barco e luz

Dias tão azuis.

Volta do mar, desmaia o sol

E o barquinho a deslizar

E a vontade é de cantar

Céu tão azul, ilhas do sul

O barquinho é o coração

Que desliza na canção

Tudo isso é paz, tudo isso traz

Uma calma de verão

E então

O barquinho vai, a tardinha cai

O barquinho vai, a tardinha cai

(Roberto menescal/Ronaldo Boscoli)

quarta-feira, abril 05, 2006

Torre de papel

(onde todos lêem a mesma escrita)

Aqui é inevitável
Queimar as rimas
Numa fogueira de espantos,
Despir as estantes de
Pós, livros e acasos,
Gastar os lápis com
Rabiscos pouco firmes mas
Planeados,
Soluçar pelos objectos
Espalhados no chão;
As fotografias rasgadas
Da nossa alma de tinta
Permanente mas permeável.

É tempo de
Denunciar as crenças
Maltratadas;
Adormecer pelo cansaço
Demorado
E velar durante a noite,
Antes de sonhar.
Aqui é permitido
Perder noites e dias,
E evaporar as vontades.
É aconselhado
Chegar à eternidade
De um olhar,
Descompassado.
Aqui é desnecessário
Desaprender a chorar.

(Publicado no DNjovem em Novembro de 2001) - Às vezes preciso viajar no tempo passado, para me lembrar...


segunda-feira, abril 03, 2006

O horizonte

Revejo-me no horizonte confidente de uma praia sem gente.

Existem segredos nos sons desenhados pelo silêncio destas paisagens. Um espaço amplo onde o pensamento se contradiz: vai e vem, acalma e inquieta, afaga lembranças e combate a nostalgia. Dia sim, dia não... É um desafio e um repouso ao olhar.

Que desconsolo por não o ter hoje por perto...
Amanhã vou visitá-lo!