sábado, junho 24, 2006

Metamorfose inconstante



Desta vez dei por mim entornando lágrimas de cansaço
Sobre as terras necessitadas, ressentidas
E abandonadas de abraços.
Uma provocante enchente nas carências desabitadas
De uma planície distante, constante e vazia
Onde só se encontrava o dia.
Nem estrelas, nem luas, nem passagens pernoitavam nessa região
Onde pedaços de vento calcavam imóveis
Qualquer miragem, qualquer ilusão.
Na aragem morta da seara inexistente,
A água correu
E do pó nasceu o mar,
Com o mar veio a maré
E com a maré o luar.
Do salgado chão sedento
Cresceu um céu azul nocturno e estrelado
Espelhado em mar e alento.
A tinta escura da noite manchou o momento estanque
Enquanto olhava de mim mesmo outro reflexo,
Noctívago e sem pranto.

Uma gota de outro tempo e outro espaço
Secava ao relento.


(publicado no DNJovem em 2001)

terça-feira, junho 20, 2006

domingo, junho 18, 2006

Estação dos pensamentos

Este é um lugar de únicos momentos e de mil tempos
Sem cansaço.
Imensidões sem embaraço.
Serenos obstáculos que aportam na madrugada
Onde encontramos o espaço
Estilhaçado no chão.
Onde os sonhos passam lentos.

É um lugar de uma só cor a olhos abertos
Encobertos pela visão.
A boca cobra o silêncio sibilante que se derrete
Enquanto toca os lábios fechados,
Pedindo o seu perdão.
Lugar de tanto dentro de nada.
Traços sublinhados por caminhos cruzados
E o calor que seca o movimento:
Arde como a chama, voa como o vento.

Este é o lugar onde a vida faz eco no chamamento.

quinta-feira, junho 15, 2006

Respirar de novo

Porque o ar que nos invade não é, por vezes, o ar que nos faz respirar...



Powered by Castpost

("Respirar de novo"- Música: Pedro Guerreiro/Interpretação: Quarteto Zawaia)

terça-feira, junho 13, 2006

Sons de uma guitarra em espera



Caem-me dos dedos os sons que dedilham a guitarra. São gotas de ansiedade que encurtam a distância entre lugares improváveis e secretos que queremos visitar. Caem olhares perfeitos sobre a penumbra da música, sobre os dias que se seguem amanhã e depois, e depois do amanhã que voltará a passar. Volto a embalar-me nos abraços recém-desfeitos e a aconchegar-me nos sons que se soltam do teu olhar. Sou eu que te tento ouvir enquanto improviso melodias desassossegadas no caminho das notas que me saem nervosas. Os sons são momentos indecisos e improváveis que caem no esquecimento, assim como caem em mim os caminhos definidos e os sonhos delineados a névoa. Doce passagem do tempo que não conhece o percurso que nos leva para longe de casa. Doce improviso dos sonhos em constante mutação. Imprevisível improviso da imaginação. Dirias que tudo tem uma lógica certa, mas as certezas dos planos tranquilos e minuciosos não são mais do que sombras distantes das nuvens que sobrevoam outros países. Aqui não existem futuros e certamente também as promessas não cabem em nós. Só o som maleável deste momento e o improviso de duas respirações em contratempo. Só o passar dos segundos que caem inconstantes no meu pensamento enquanto a guitarra toca.

(2006)

domingo, junho 11, 2006

terça-feira, junho 06, 2006

Antes de partir

Quantas vezes passaste por mim junto à janela que todos os dias se inquieta com a tua presença. E eu junto à solidão estanque do apeadeiro procuro apenas uma visão distorcida de toda a paisagem ao meu redor. As linhas, os passos, o relógio sempre atrasado ou adiantado, o soluçar dos corredores abertos e o silvo agudo da partida que me fere constantemente a alma dos pensamentos vagabundos. O banco deserto de outra companhia que não a do livro a abrir em altura oportuna, pronto a acolher-me a teu lado. Todos os dias cheguei até ti, e desejei. Sempre o tempo foi demais para a minha constante espera pelo cumprimento de um destino incerto que nunca soube criar. Sempre desejei viajar sobre um qualquer trajecto paralelo à paisagem que passa por mim, junto a uma janela onde cada metro me trouxesse a vontade esfomeada de chegar. E sempre esperei. Sempre a estação se juntou a mim nessa espera da decisão certa, o instante infinito em que romperia os limites da vontade para libertar os sentidos agora longínquos e dormentes. É distante essa terra onde o olhar acolhe a luz do regresso. Por vezes o comboio tarda em partir. E os atrasos são encomendas carregadas de uma desajeitada esperança de me deixar ir com o ritmo constante de um caminho desviado das lágrimas, junto a uma janela que me mostrasse o mundo que não cabe ainda em mim. Mas o horário cumpre o seu papel de descarrilar o transporte da imaginação. O bilhete recém comprado adormece no bolso sempre à mesma hora, mais minuto, menos minutos. Os segundos recaem no inevitável chão que deixa de ser paragem. Segues os campos deixados na escrita que morre comigo junto às pedras dos carris enquanto renascem os dias demorados em imagens sobrelotadas do tempo que se estende pela estação. Desce subitamente a cancela descontrolada da cidade que me leva a seguir outra direcção. Junto ao vazio deixado pelo comboio que já se perdeu de novo, resisto solenemente ao encontro da viagem impossível que me levaria a outro lugar. Todos os dias és tu que te sentas nesse banco do comboio e eu vejo-te apenas passar.

(Publicado no DNJovem em Janeiro de 2003)

Continuo a pendurar na parede fotografias do passado. São elas que reflectem o presente neste momento... Em breve mudarão os sentidos e partiremos para outros lugares. Já se sentem no ar os passos que o amanhã seguirá.

sábado, junho 03, 2006

Yin-Yang

("Olhando para o chão", publicado no DNJovem a 2 Junho de 2006)