Díli. O caminho de volta
a casa traça um trajeto singular dentro dos diversos bairros da cidade onde a população
habita a terra em que construiu as suas casas. A fluidez animada das ruas mais
movimentadas e agitadas da cidade parece desaguar, dissipando-se em espaços
onde o ruído se desvanece e a sombra de árvores refresca e abriga. A luz é
calma. As casas alargam-se aos pátios, aos espaços exteriores, aos caminhos e
ruas de terra batida. A casa torna-se não só parede erguida mas presença
humana, identidade onde cada momento se inscreve em portas abertas; choros e
risos de crianças, música em compasso ritmado que inesperadamente surge de um
qualquer canto, dentro e fora de casa.
A casa constrói-se pela pulsação que os
habitantes trazem ao seu dia-a-dia. A casa amplia-se em convívio, transforma-se
em sorriso, cumprimentos e palavras trocadas em linguagens que se circunscrevem
na voz, em línguas como o português e o tétum, e na expressividade do corpo, um
aceno de cabeça, um aperto forte de mãos, o correr divertido, curioso mas
despreocupado das crianças, que acompanha o percurso pelo bairro. A casa torna-se
comunicação. Enquanto o sol vai desenhando o seu trajeto ao longo do dia, a casa
transforma-se em matizadas escritas de cor e luz, fundada entre rotinas diárias
e culturais na essência de um povo e ergue-se assim também em ocupação, trabalho,
reunião, lazer, diversão, abrigo.
Perto das ruas mais
movimentadas da cidade mas resguardadas pelo amparo das árvores que as vigiam e
abastecem a refrescante e acolhedora sombra, criando um envolvimento protetor,
perde-se momentaneamente a noção de um tempo. Perde-se em si, o próprio conceito
de tempo. O tempo será assim tudo aquilo que os habitantes das casas de portas
abertas criam para si. Tudo o que vivem dentro e fora das quatro paredes
protetoras. O tempo transforma-se também aqui em casa. E a casa torna-se viva. Gerações
familiares que perpetuam os seus laços e tradições, anciões de serena presença,
homens que vigiam os passos, mulheres que recolhem e acolhem no colo os seus
filhos, mulheres que labutam a matéria prima da sua terra, crianças anfitriãs
dos bairros presenteando-nos com a simplicidade dos renovados momentos. Um
simples apontamento de presenças e de sentidos, e no qual se vão ampliando
reavivados sentidos. A casa é por tudo isso vida.
(Dili, Junho de 2013. Texto introdutório ao projecto fotográfico "Casa vida")
1 comentário:
Obrigado por teres escrito nas Paredes Brancas.
Um belíssimo texto, boa amiga.
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