terça-feira, agosto 29, 2006

Nova passagem para outro tempo


Vou passear entre os tempos e os espaços, como em florestas onde se escondem as visões da felicidade.
Espero colher anonimamente os sons silenciados pelos sorrisos escandalosos; os risos desconhecidos e descarnados das crianças sem idade. Vou entrelaçá-los num ramo de ilusões para ofertar aos meus sonhos. Oiço distantes, os passos rasos dos nossos dias descalços pela esperança, impermeáveis à sorte e eternamente esquecidos, os toques vencidos pela morte e pelos dias. Olhares passados e recortados por outras estradas e outras esquinas. Estes não servem para presente. Procuro outros sentidos que me espreitam distraídos a cada pé assente no chão, o mais puro momento tecido pelo infinito de outro coração.
Quero a planície nublada que não vê a luz das estrelas por mergulhar dentro delas e persisto no caminho pela manhã inerte onde sobrevive solenemente uma neblina desfocada e quente. Continuo o percurso através da pele suada; memória fugidia que rodeia a ideia de se rever no reflexo de si própria, tremendo de frio. Encontro um espelho parado que me olha de volta temendo o vazio. Fim do caminho. Fim da linha que limita a geometria da paixão. Retorno a casa.
Volto a ser mulher sem olhar perdido nem andar prolongado. Vivo a hora em que o tempo se desfaz e se faz vento no espaço apresado e só; lamento apagado pelo ar que me acompanha e desfaz a cinza e o pó. Trago o cansaço do corpo e o beijo da alma.
Só mais tarde eu paro, revejo e desejo o reverso lento da cidade por onde passei. Camelot dos meus sonhos mais profundos onde endurecem as lágrimas que secam o segredo do mundo. E escrevo este mapa de tesouros desencontrados para me achar de novo na manhã de um novo tempo, num outro espaço e outro pensamento.
Todos somos os lugares que pisamos e respiramos a pele que nos serve todos os dias de passagem.

5 comentários:

Anónimo disse...

Também eu tenho esses momentos onde saio para a rua e prolongo os meus passos pela cidade, respirando e absorvendo tudo o que à minha volta acontece. No entanto, faço-o como se não estivesse presente. Apodera-se de mim uma ausência, um não-existir. É como se passasse para outra dimensão onde os sentidos ficam mais apurados mas existem apenas e só os sentidos.

Mas depois desses momentos, a vida ganha novo estímulo em mim... São momentos necessários para viver.
Beijos,linda.

RS disse...

Aqui respira-se, como sempre.
(...)

Um abraço,
RS

Graça disse...

"Todos somos os lugares que pisamos e respiramos a pele que nos serve todos os dias de passagem."

Vou ficar com esta passagem a fazer eco cá dentro.

Fatma disse...

Bruno: apurar os sentidos para e pelo caminho, enquanto o próprio caminho nos aguça e apura os sentidos. é um ciclo que parte de nós e torna a nós próprios. bjo grande, grande amigo.


"Respirar" é preciso. um bejo Rui, obrigado.


Graça: Obrigado pela tua passagem q tb fez eco por aqui :)


Ricardo:
:):):):):)Obrigado. Serei melhor também porque passaste por cá.

RS disse...

Regressei a este post por culpa da sua imagem... A impressão que tive ao olhá-la a primeira vez não se desfez.
Os homens que assentaram aquelas pedras naquele solo não o sabiam, mas foi para um dia serem pisadas pelos pés daquela criança.
E ela parece sabê-lo...
Há qualquer coisa nela de infinito.

(provavelmente, nós)

Um beijo,
RS