terça-feira, junho 19, 2007

Com a luz de um amor perdido

Sento-me agora no lugar mais escuro de mim própria, para que a luz o consiga enfeitar. Sugiro no pensamento algumas sombras projectadas por essa claridade extrínseca, construindo murais de histórias, e crónicas suprimidas. Faço-o para reconstruir páginas brevemente escritas no dia a dia. Para oscilar e deambular entre os contos da realidade e da ficção. Faço-o para te contemplar. Talvez para reavivar ou construir novas recordações. Só assim consigo abordar a tua imagem, agora defendida pela memória, a real imagem, livre dos pressupostos do desejo e dos ornamentos que, dia após dia, fui editando. A luz baça. Filtro das histórias repetidas, construídas, aguardadas, desacertadas, todos os dias. A repetição das respirações dos que nos rodeiam. O contorno da pele dos que se sentam no café ao lado de nós. Os olhares que caem constantemente ao chão. E os passos que voltam a repetir-se nesse mesmo chão. Os relógios imaginários sobrepõem-se ao pensamento. Um tempo longínquo tanto se constrói estanque como velozmente se esvai dentro de nós.
O tempo.
O regresso a casa sem qualquer outra companhia.
O momento em que mudaste de cidade.

Ou talvez tivesses morado de direcção na estrada. Ou mudaste de amor.
Ou o tempo quebrou-se enquanto chegava a casa e desordenou todas as coordenadas da tua localização.
As linhas ordenam-se com regressos ao presente de outros dias. São remendadas as verdades prematuras e disfarçadas convicções ancestrais, apelidadas pelo verbo amadurecer. São imóveis os momentos da mudança dos ventos, porque não te movimentam mais em meu redor. E voltamos ao lugar mais escuro, onde a luz penetra com agilidade, onde nos despedimos até a um mais ver.
És, talvez, amor sem encontro, sem procura e sem intenção. Sem olhar, fingido cego e aparentando casualidade, guiado para o querer ver.
Desenho abstracto de uma luz que descende de um outro tempo.
Sabor enevoado de um banquete sublime à luz de uma lâmpada já apagada.

(Junho 2007)

P.S. A produção escrita escassa por falta de net e de outras condicionantes alheias à minha real vontade. A minhas desculpas aos meus visitantes e amigos, que me acompanham sempre, mesmo quando as distâncias não me trazem a esta esfera. Obrigado, obrigado, obrigado sempre.:)

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