Rita escrevia, então, simplesmente e sem objectivo. Sem aparente sentido ou sem pretensão. Escrevia no silêncio, inocente, como se os pensamentos lhe saíssem dos dedos:
"Quem disse que a vida é triste e vazia?
Horizontes inexistentes separam o mundo da vida que lá se vive. Falta de procura, falta de encontros.
Que seria de mim se não me encontrasse com ninguém?...
Pobre de mim, pobre alma, pobre destino, pobre vida.
Que seria de mim se não me encontrasse comigo própria?
É interessante reparar na minha própria vida, reparar que a minha entrega aos que mais amo em nada mudou, que o sentir continua a existir, que o pensamento não se desvaneceu.
Continuo a ser eu, porque me descrevo como o sendo, e no entanto "mudei".
Reconheço-me melhor nas minhas mazelas, nas minhas escolhas, nas minhas decisões e na consciência que tenho das minhas indecisões, no que faço e no que não faço por não saber como fazer...
E estar com gente. Não apenas gente, mas gente com quem gosto de estar, com quem posso simplesmente estar, sem mais porquês, nem esperas, nem desilusões, ou ilusões... e... se... mesmo assim...(com tudo isto) também com a indefinível amizade - palavra que parece ser pequena para que o que comporta.
Vieram-me à poucos dias bater ao pensamento as seguintes palavras: "o meu melhor talento é "amar" pessoas que têm um enorme talento". Essas pessoas. Gente igual a toda a gente... As ditas pessoas especiais. Realmente e simplesmente especiais para mim: grandeza de coração, sensibilidade de alma, sinceridade de entrega e vida, muita vida... Pessoas que brilham no meio do próprio brilho mas que não se esquivam nem têm medo da escuridão, porque também ela as acompanha e acolhe sem as magoar (a escuridão não é necessariamente má - não existe bem ou mal na exaltação dos sentidos). Sabem o que quero, o que vejo, o que sinto, porque o pressentem. Porque também se reconhecem em si e porque os seus olhos dizem com toda a essência o que não se diz e o que dito ou escrito parece banal mas não o é. Gente igual a toda a gente...
Tenho a sorte de, não sei bem como, os amar e conhecer.
Esses seres de outro mundo, um qualquer mundo, este..., o meu mundo. Esses seres do mundo, são essenciais para que eu "respire", para que eu "ande", para que tenha sorriso... para que o olhar brilhe, mesmo que as lágrimas dos mesmos olhos, não me deixem por algum outro motivo ver. (Outubro 2000)"
O tempo espelha-se e os olhos voltam (sempre) a brilhar.
O lugar não mudou muito. Mas o mapa é já outro, entretanto perdido e envelhecido, remetido à memória de alguma gaveta de escritório. As estradas reconhecem também outras paisagens, talvez outros destinos, mas param (curiosamente), volta e meia, nas mesmas encruzilhadas. A eterna sensação de voltar a casa, mesmo que a mente teime em nos afirmar que a casa já não existe.
"(...)no fundo somos simples. Mas só no fundo."
E mesmo que só em alguns momentos.
1 comentário:
... tocante. Muito.
A.
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