sexta-feira, agosto 29, 2008

Curiosidade

Doce, ténue, pálido, sagrado

Doce, ténue, pálido e sagrado segredo,
És frágil por não desejares viver sem medo.
Sobrepões os lugares, os dias e os anseios à tua vontade,
Sobrevives sem pulsação.
Idades sem contagem, tempos sem duração.
Tens o empenho dos desejos por cumprir
Alheio aos sons, ao olhar, ao toque, à pele nua,
Ao sopro do vento quente que soletra desencontros enquanto corre contente pela rua,
Ao sangue frio que derramas enquanto descuidas o que amas.
Sofres a solidão em rascunhos de relações desaprovadas,
Resquícios de outras histórias com sobras de uma ilusão.
Semeias culpas inseguras em noites inacabadas,
Regressos a casa sem planos para partir.
Compões harmoniosos prelúdios que morrem sem se tornarem canção.
E depois de em ti serem consumadas todas as incertezas, todas as vaidades,
Todas as inquietações,
Todas as verdades,
Nasces de novo.
Voltas a sorrir.

(Agosto 2008)

sábado, agosto 09, 2008

A primeira manhã

O despertador não me procurou desta vez. Revi aos poucos os traços da noite e a luz fresca que ansiei desenhar na memória da ainda imaculada e inocente manhã. Nada de admirável sobreviveu por aqui que vos possa contar. Sonhos sem sobressaltos que acabei por esquecer e o desejo de sonhar lavado com o abrir de olhos. Roupas atiradas para cima de um sofá, ao acaso, e um dia para completar peça a peça até que a noite regresse para me saudar, indiferente, ou por algum atalho da minha imaginação, com um beijo. É fonte do meu desejo este ambivalente olhar entre as rotinas dos mecanismos diários e a pausa que surge do outro lado do silêncio, que me esquiva dos pensamentos. Lentamente me ponho em pé, ando, abro a porta, lavo a cara e seco as mãos. Paro. Para onde mais me hei-de voltar? Escorre pela pele o atalho secreto dos sentidos que tracei para mim.
Por baixo da porta um recado:
Espera por mim, estou desejoso por te ver de novo.

(Jullho de 2008)
(referente ao tema "desejo" na Minguante - revista de micronarrativas nº 11)