domingo, abril 29, 2007

O caminho instintivo

Domingo. O dia acorda cedo e sacode restos de sonhos de uma noite folgada. Surge a ideia ainda incerta e ensonada de nos fazermos à estrada. E a ideia faz-se acção.

O carro percorre sem pressa o caminho. Poucos são os que se cruzam por nós. Instalo-me sem pressa no conforto de um passeio sem tempo a cumprir, onde o propósito é receber o que a terra tem para dar, instalar-me discretamente como parte do toda a paisagem que vou percorrendo.

Falamos de muitas coisas. Trocam-se ideias sobre gentes e terras, o bem e o mal que vem da exploração dos recursos e da natureza, o bem que nos faz o cheiro do mar e a paisagem ainda poderosamente ingénua por ser quase intocável, ainda…Discutem-se, pacificamente e sensatamente, os estados da vida que nos vai rodeando e que ultrapassamos na estrada. Meia dúzia de minutos ou aquilo que os sentidos nos sugerem como momento intemporal ou será ainda o tempo que se esvai através das palavras que se vão trocando pelo caminho… E o caminho percorre-se… junto à paisagem, às palavras, ao sossego, ao silêncio.

Sente-se o silêncio, o que fica por detrás do silêncio. E chegamos finalmente ao lugar secreto (que em fé espero tornar-se realmente secreto para que perdure no tempo e no espaço). A manhã esteve clara, calma e aconchegante. Pelas ruas quase desertas passeavam luzes quentes que o sol nos dispunha e a sombra que lhe completava. E alguns turistas também, acho. Tentei fotografar, sem sucesso, as imagens que se desenhavam das ruas estreitas e as cores e os sons que por ali iam passando mas por vezes não há melhor retrato que a futura memória que um momento retém no nosso olhar, esse sim, nestas altura, infalível e multifacetado, porque recolhe todos os outros sentidos e os associa a emoções. A meia de leite soube-me bem. A viajem ao longo do vale também. Ali onde se tocam o Algarve e o Alentejo, a ribeira e o mar, o verde e o branco, a pedra e a areia, as contradições que se completam e se transfiguram num só desempenho. Entre o céu e a terra, todas as fronteiras de um só lugar. Um óptimo exemplo de convivência para a natureza humana. Ali repreendi a redescobrir algumas das lições mais básicas da nossa composta (e algumas vezes simples) existência. Espelhar-me nesse lugar, como em tantos outros por onde passo e passarei, agarrando a consciência da sua múltipla existência em mim.

E de novo, serenamente, voltamos a casa de alma lavada, prometendo intimamente continuar a sentirmo-nos assim.